PPP: faltam iniciativas, não leis


Temos no Brasil um mau costume. Sempre que nos deparamos com alguma dificuldade institucional tendemos a imaginar que tudo se resolverá com uma alteração legislativa. O mal está em se passar a discutir a lei por vir, sem perceber que a solução está ao nosso alcance, demandando iniciativas mais administrativas e menos legislativas.

É certo que a crise fiscal e o esgotamento dos modelos de privatização e concessão adotados na década passada invocam formas inovadoras e criativas de parceria entre o Estado e a iniciativa privada. Porém, muita energia se tem gasto em torno da discussão sobre alterações legislativas que introduziriam, entre nós, o modelo simpaticamente apelidado de PPP (Parceria Público-Privada), concebido pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão no final do período Fernando Henrique e rapidamente adotado pelo atual governo.

O trabalho desenvolvido para o Ministério é de alta qualidade e sua elaboração contou com o apoio de especialistas e juristas de alto gabarito. O debate e a reflexão em torno dele são positivos. Além disso, são sempre bem-vindas as propostas de aperfeiçoamento na legislação sobre licitação, contratos administrativos e concessões – de resto, cheia de falhas. Porém, creio que nem o PPP é novidade, nem é preciso aprovar uma ambiciosa legislação federal, geral, para que sejam viabilizadas formas novas de parceria com a iniciativa privada.

A Lei de concessões (Lei federal 8.987/95), editada em cumprimento do disposto no artigo 175 da Constituição, trata especificamente da hipótese de concessão de serviço público e não veda o estabelecimento de outras modalidades de parceria. Na verdade, ela consagra o instituto da parceria. Tampouco a legislação federal interdita que os estados e municípios façam a gestão de seus empreendimentos ou de seus bens de forma distinta da União.

Desde que respeitadas as normas atinentes às licitações (Lei federal 8.666/93) e à matéria fiscal e orçamentária (especialmente a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei federal 4.320/64), há uma ampla margem para modelos como o arrendamento de empreendimentos públicos; a contratação por regime de interesse; o contrato de gestão; a concessão de obra pública (que não se confunde com a concessão de serviços públicos precedida da execução de obras – Lei 8.987/95, artigo 2º, III); os modelos tipo BOT (built, operate and transfer, modelo de concessão de obra pública pelo qual o particular constrói a obra, a explora pelo tempo necessário ao retorno do seu investimento e só então a transfere para o poder público), que não envolvam o trespasse da exploração de atividades classificadas como serviços públicos; os modelos de contratação com remuneração variável ou vinculada ao benefício auferido pela administração.

Mesmo empreendimentos já comuns no estrangeiro, como as concessões SCUT da experiência portuguesa (modelo de concessão de obra pública pelo qual tanto a construção quanto a conservação são remunerados pelo poder concedente a partir de valores estipulados em licitação e pagos diluídos ao longo do tempo em função da combinação entre o valor do investimento e a efetiva utilização da obra pelos cidadãos), a affermage dos franceses (modelo de concessão em que os investimentos iniciais são feitos predominantemente a cargo do poder público que transfere a obra ou o serviço ao particular que passa a cobrar tarifa e remunerar o investimento mediante pagamentos pré-fixados revertidos à coletividade, por exemplo: mediante investimentos secundários) ou o modelo de shadow toll (em que a tarifa ou o pedágio são pagos total ou parcialmente pelo poder público, que assegura a remuneração do investidor por um valor fixo – tarifas – multiplicado pelo quanto os cidadãos utilizarão os serviços) dos ingleses, podem ser adotados no Brasil sem necessidade de mudanças na legislação geral de concessões.

Além disso, o ordenamento jurídico hoje vigente admite outras figuras mais criativas que, a partir da figura do poder público como substituto do usuário (modelo do usuário único), concebe concessões onde os serviços prestados pelo particular são remunerados mediante tarifas pagas com recursos de um fundo integrado por receitas de natureza tributária (taxas ou contribuições) cobradas da coletividade. É o que ocorre com o modelo do usuário único dos serviços de limpeza urbana previstos no Projeto de Lei de Resíduos Sólidos e implantado pelo Município de São Paulo. É também o modelo recomendado pelo Tribunal de Contas da União (em recente decisão respondendo a consulta do Ministério das Comunicações) para implementação dos projetos de universalização do acesso à internet serem custeados com recursos do FUST.

Iniciativas concretas, recentes, reforçam essa posição. Como a do Governo do Estado de São Paulo, que concebeu um modelo de realização de empreendimentos públicos em parceria com a iniciativa privada – solução lastreada numa criativa fórmula de financiamento e constituição de companhia garantidora formada com ativos estaduais. Outros órgãos municipais e estaduais têm desenvolvido modelos de parceria para viabilizar, em regime de financiamento conjunto, a construção da Ponte Forte-Redinha, em Natal (RN), importante obra para a população potiguar. Todas estas iniciativas são juridicamente viáveis, apesar das falhas, inconsistências e insuficiências da legislação federal.

Dois são os males da atual discussão em torno do tema PPP. Primeiro, que parceria não é, por si, solução para todos os problemas do poder público. Tampouco tem complexidade distinta daquela que envolve todos os negócios públicos. Ademais, é impossível tratar como um rótulo único uma multiplicidade de situações que carecem de soluções específicas. O segundo mal é mais grave. Ao se difundir a idéia de uma nova solução salvadora, que implicaria mudanças na legislação federal, oblitera-se a iniciativa do administrador público, entravando soluções criativas. Ficam suspensas as iniciativas de parceria público-privado até que a solução redentora seja concebida e referendada pelo Congresso Nacional.

A discussão em torno do PPP é importante. Mas não será exclusivamente por meio dela que o Estado irá superar sua crise de investimento.(Legal & Jurisprudência1)(Floriano de Azevedo Marques Neto - Advogado, professor doutor do departamento de direito público e do estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.)


09/09/2003

Fonte: Gazeta Mercantil

 

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