Curitiba - Nos primeiros meses do governo Lula houve um contingenciamento de R$14,1 bilhões, ou 22,7% das despesas discricionárias, segundo a economista. O esforço foi feito para aumentar o superávit primário para o nível recorde de 4,25% do PIB no setor público consolidado para este ano. Na esfera da União foram apenas R$ 1,437 bilhão descontingenciados em maio e, em setembro, voltou a ocorrer novo contigenciamento de R$ 319 milhões, sob o argumento de tratar-se de um "corte temporário", mesmo que a três meses do final do exercício.
Pelo Projeto do Plano Plurianual 2004-2007, enviado ao Congresso, a meta de superávit primário de 4,25% deverá ser buscada em todos os anos, até 2007, com o objetivo de "reduzir a relação dívida pública/PIB para menos de 50% no final de 2007", em contraposição aos atuais 57,7%.
Apesar dos esforços fiscais feitos nos últimos quatro anos, a dívida líquida do setor público consolidado atingiu, em agosto de 2003, mais de R$ 891,3 bilhões, um crescimento em torno de 130%, entre dezembro de 1998 a agosto de 2003, período em que o Brasil saldou todos os compromissos e esmerou-se no cumprimento de todas as metas. Como faz-se a comparação da dívida em relação ao PIB, na hora que o PIB cai a dívida aumenta. Se a economia não crescer dificilmente haverá estabilização da dívida.
"Parece não haver limite para a geração de resultados primários positivos e crescentes, ainda que isto se dê às custas de recessão econômica e cortes adicionais de investimentos e gastos sociais. Não são avaliadas as conseqüências para as políticas públicas e as autoridades não questionam o quanto o cidadão será afetado", diz Perez.
A autorização de gasto após o contingenciamento, segundo ela, é inferior aos valores executados em 2002 na área de infra-estrutura e produção, e um pouco superior na área social. Ficaram com um pouco mais de recursos os Ministérios da Educação e da Saúde, até por força do cumprimento dos limites constitucionais, assim como os Ministérios da Ciência e Tecnologia e das Comunicações. Em compensação, perderam recursos em relação ao ano anterior os Ministérios da Cultura, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, do Esporte, da Assistência Social, das Minas e Energia, dos Transportes, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Turismo.
Na área de infra-estrutura e produção, o caso mais grave é o do Ministério do Turismo que perdeu 78,67% de seus recursos. Na área social quem mais perdeu foi o Ministério do Esporte que ficou com menos 86,20% dos recursos.
"É preciso considerar que a baixa execução pode ser conseqüência tanto de contingenciamento como de problemas gerenciais associados a atrasos em procedimentos administrativos como licitações e contratação ou à falta de capacitação da máquina administrativa para realizar essas e outras tarefas com a celeridade necessária", disse Perez.
São casos em que havia autorização para gastar, mesmo após o contingenciamento, mas o gasto não ocorreu. Em quase todos os casos a não execução foi maior no Ministério do Desenvolvimento Agrário, em que atingiu 74%. Como o ano ainda não terminou, há pelo menos três meses para reverter essa situação com iniciativas de empenhos de gastos. Em vários ministérios, o percentual de não empenho sobre o autorizado após o contingenciamento é superior a 40%. A conseqüência prática é que, se até o encerramento do exercício os empenhos não ocorrerem, a despesa não poderá nem ser inscrita em restos a pagar e essa dotação orçamentária será cancelada.
"Na ótica do ‘tudo pelo fiscal’, a ineficiência da máquina administrativa, que vem se notabilizando pela incapacidade para gastar, também não representa problema; ao contrário, indica superação de metas. É assim que se prevê que o superávit primário poderá ser largamente ultrapassado neste ano se persistirem os baixos níveis de execução que vêm sendo verificados", explicou a economista.
Para aqueles que aguardavam que o governo Lula mostrasse o seu lado social no orçamento de 2004, o primeiro elaborado por este governo, Perez faz um alerta: o gasto social, que representava 4,29% do PIB em 2002, caiu para 3,81% do PIB em 2003, após o contingenciamento, e para 4,04% do PIB no orçamento proposto para 2004. Isto num orçamento equivalente a 20,93% do PIB, já desconsideradas as despesas financeiras, correspondentes a de 63,33 % do PIB.
No Ministério do Desenvolvimento Agrário, a queda na proposta orçamentária para 2004 é evidente, tanto comparando-se com 2002 com menos 20% como com 2003 com menos 14%, mesmo em termos nominais e sem nenhum dos filtros utilizados na metodologia do governo.
Nos investimentos, a queda também é expressiva: são alocados apenas R$ 7,8 bilhões para 2004 , quase a metade do valor previsto no orçamento de 2003. Comparativamente ao valor autorizado após o contingenciamento em 2003, pode-se dizer que há aumento dos gastos sociais. No entanto, tal aumento se dá sobre uma base bastante reduzida. Além disso, não há garantia de que tal aumento resistirá a um novo contingenciamento em 2004.
A economista lembra que os valores propostos para o orçamento baseiam-se em previsões de crescimento econômico e redução da inflação e da taxa de juros. As taxas de crescimento anuais do PIB embutidas no Projeto de Lei do Plano Plurianual são de 3,5%, 4%, 4,5% e 5%, em termos reais, de 2004 a 2007, níveis bem superiores ao 0,5% previsto para este ano. As previsões de taxa de juros são respectivamente de 14,5%, 12,4%, 10,1% e 8,3%, em termos nominais, de 2004 a 2007, níveis que divergem bastante dos atuais 20% e das projeções de analistas do mercado, de 16,77% em média para 2004.
O cenário róseo conflita com as promessas de "realismo" e "retomada do planejamento" anunciadas, pois é sobre ele que se constróem as condições em termos de receita para um PPA de 2004-2007 de R$ 1,85 trilhão. Perez diz que a simples utilização de previsões desejáveis nas propostas orçamentária e do PPA não assegura que elas ocorrerão. Admitindo que os juros não sejam reduzidos em seis pontos percentuais na média, em apenas um ano, a conseqüência será um novo contingenciamento em 2004, segundo a economista. Até porque a manutenção da trajetória de queda da taxa de juros até atingir o nível proposto certamente dependerá de uma convergência da taxa de inflação para a meta de 5,5% em 2004.
"Não se questiona a orientação política da prometida redução das taxas de juros e da retomada do crescimento econômico, que é louvável, mas a sua factibilidade e as possíveis conseqüências em termos de cortes orçamentários, caso essas previsões não se confirmem", diz ela. A isto estão subordinadas, ainda, medidas estruturais que alteram a Constituição e correm o risco de eternizar os exageros do ajuste fiscal, como as Reformas Tributária e da Previdência e a proposta de independência do Banco Central. Embora o discurso do governo tenha afirmado reiteradamente que não haverá aumento da carga tributária com a aprovação da Reforma Tributária, o projeto de lei orçamentária para 2004 revela R$ 30,2 bilhões em receitas condicionadas à aprovação das reformas, sendo R$ 25,2 bilhões referentes à Reforma Tributária. Há, ainda, outro R$ 1,9 bilhão referente a aumento de imposto de renda que, para entrar em vigor no ano que vem, teria que ser aprovado até dezembro. Além disso, o orçamento não prevê recursos para desoneração do ICMS relativo à Lei Kandir. A soma desses efeitos sinaliza aumento de carga tributária e revela, mais uma vez, a contradição do discurso oficial que afirma ser possível unificar alíquotas de ICMS, sem que a União e nenhum estado percam arrecadação e sem que a carga aumente. Equação matemática difícil de resolver.
Há, de fato, muito que realizar nessas áreas, diz Perez. "Seria talvez o momento de questionar, por exemplo, porque R$ 274 bilhões, ou 14,72% do PPA, são executados extra-orçamentariamente, entre agências oficiais de crédito e fundos, sem que o Congresso".
Seria interessante, segundo ela, saber também porque o acesso ao SIAFI e ao SIGPLAN não é público, se as informações neles contidas dizem respeito a receitas e despesas públicas
kicker: Autorização de gasto é inferior aos valores executados em 2002 na área de infra-estrutura
06/10/2003
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