Contrato para obra do Tietê sobe 148%


A enchente que parou São Paulo na semana retrasada e frustrou a propaganda de Geraldo Alckmin (PSDB) sobre a obra de rebaixamento da calha do rio Tietê não foi a única dor de cabeça a afetar a imagem daquela que seria uma das vitrines do governo tucano.
A obra que não evitou a inundação das marginais na chuva dos dias 24 e 25 é alvo de auditoria do TCE (Tribunal de Contas do Estado), que elenca uma série de problemas nas contratações feitas.
Duas delas, firmadas sem licitação para a execução do projeto executivo e para apoio ao gerenciamento dos serviços, já foram julgadas irregulares pelo TCE.
No total, seis contratos sofreram ou sofrerão aditamentos para elevar os valores acertados inicialmente (na segunda fase do empreendimento, iniciada há três anos). Em um deles, os preços mais do que dobraram: subiram 148%, acima do limite de 25% previsto na lei 8.666, de 1993.
O rebaixamento da calha do Tietê foi anunciado em 2002 ao custo de R$ 688 milhões. Se incluídos contratos complementares, como as compensações ambientais, atingiria R$ 730 milhões.
A quantia desembolsada pelo governo tucano, porém, vai beirar R$ 1,07 bilhão depois do fim das obras, em setembro, dos quais R$ 866 milhões já foram pagos.
Da diferença de R$ 340 milhões em relação ao valor inicial, a gestão Alckmin diz que R$ 200 milhões são reajustes previstos em contrato, agravados pela demora para a realização dos serviços.
O aprofundamento do Tietê deveria ter sido concluído no segundo semestre de 2004, mas, em razão de contestações ambientais, atrasou praticamente um ano.
Os demais R$ 140 milhões correspondem a aditamentos (alterações contratuais), três dos quais já foram assinados e três serão formalizados neste mês. Essa verba se aproxima do orçamento da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) em 2005, de R$ 145 milhões, e representa elevação de 18,7% no montante da obra.

"Majoração inaceitável"
O contrato que teve elevação de 148% em seu preço inicial foi firmado em maio de 2001, pouco mais de dois meses após a morte do governador Mário Covas.
O consórcio Enger-CKC, contratado pelo DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo), deveria receber R$ 18,6 milhões pelo trabalho de consultoria para apoio ao gerenciamento geral da implantação das obras de rebaixamento da calha do Tietê -que envolve, entre outras coisas, a realização de medições dos serviços feitos.
O montante triplicou e subiu para R$ 59,3 milhões (219% a mais), segundo auditoria do TCE. O governo Alckmin, porém, diz que os aditivos foram de R$ 27,6 milhões -sendo os R$ 13,1 milhões da diferença apenas reajustes já previstos em contrato, com base em indicadores da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP).
O conselheiro do TCE Eduardo Bittencourt Carvalho (para quem há "graves" irregularidades em contratos das obras do Tietê) chama a majoração de "inaceitável". "Embora o DAEE se esforce na busca de justificativas técnicas que fundamentem a necessidade desse aditamento, não encontra qualquer embasamento que sustente tamanho absurdo", afirmou ele, em março de 2005.
O superintendente do departamento, Ricardo Borsari, justifica a elevação do custo pelo aumento do prazo, dificuldades imprevistas e serviços adicionais. Ele afirma ainda que houve aval do JBIC -banco japonês que é financiador do projeto do Estado.
A principal contestação ambiental que levou ao atraso de um ano da obra foi feita pela ONG Grito das Águas, para quem os materiais retirados do rio e depositados na lagoa de Carapicuíba, na região metropolitana, provocariam poluição e contaminação.
O Ministério Público conseguiu na Justiça impedir essa prática, mas a decisão foi derrubada.
Além do apoio ao gerenciamento, com elevação de 148% em seu preço, os contratos do projeto executivo e do lote 1 das obras já tiveram seus aditamentos assinados -mas em proporções menores, de 15,06% e de 19,93%, respectivamente. No primeiro caso, isso significa R$ 33,8 milhões a mais. No segundo, R$ 1,3 milhão.
Os lotes 2, 3 e 4 das obras tiveram seus aditivos calculados pelo DAEE e serão formalizados nos próximos dias. O departamento diz que ficarão abaixo de 25% e que não estão relacionados à última enchente. O de número 5, que abrange as compensações ambientais, não terá alteração.
Outras obras emblemáticas da gestão Covas/Alckmin tiveram elevações contratuais superiores ao limite legal de 25%. A linha 5 do Metrô (Capão Redondo-Largo Treze) teve aditivos de até 76,51%. No trecho oeste do Rodoanel, a alta do custo global atingiu 70%.

Contratos irregulares
A contratação do consórcio Enger-CKC para os serviços de gerenciamento no Tietê foi uma das duas julgadas irregulares pelo TCE em 2004. A outra foi a firmada pelo DAEE com a Maubertec Engenharia e Projetos para a elaboração do projeto executivo.
A gestão Alckmin entrou com recursos contra as decisões, mas eles ainda não foram apreciados.
Os dois contratos foram considerados irregulares por causa da ausência de licitação. O DAEE fez a escolha por notória especialização, dispensando a realização de concorrência pública, sob a alegação de que as duas empresas já tinham realizado trabalhos nos anos 90, na primeira fase da obra, tendo maior conhecimento das intervenções na calha do rio.
O departamento alegava ainda haver recomendação do JBIC para a contratação. Os argumentos não foram aceitos pelo TCE porque havia outras empresas capazes de realizar os serviços.


06/06/2005

Fonte: Folha de São Paulo

 

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