Em dezembro do ano passado, a Caixa Econômica Federal abriu licitação para comprar 27 mil computadores pessoais. Para definir o poder de processamento dos PCs que seriam adquiridos, a instituição financeira usou alguns parâmetros técnicos que a americana Advanced Micro Devices (AMD), fornecedora de processadores utilizados em computadores, considerou que favoreciam a Intel, sua concorrente e líder mundial de mercado.
A AMD entrou na Justiça contra a estatal. Após acordo, a Caixa fez modificações no edital e a empresa retirou a medida cautelar. Com o novo texto, a companhia concorreu em conjunto com a Procomp, que montou os computadores, e levou o contrato de R$ 83 milhões.
Não foi a primeira contestação de uma licitação por parte da AMD. Mas o gerente-geral da empresa para o Brasil e Cone Sul, José Antonio Scodiero, avisa: a partir de agora, o mercado verá cada vez mais ações desse tipo. O executivo está organizando um braço local do que a AMD chama de "Fair and Open Competition" (Competição Livre e Aberta), grupo constituído em fevereiro pela matriz da fabricante de chips. O objetivo é alertar empresas estatais e órgãos públicos sobre licitações que utilizam parâmetros que, na visão da AMD, favorecem a Intel.
Na prática, trata-se de um grupo de "lobby", que conversará com grandes compradores de tecnologia do governo e participará de eventos para passar a mensagem de que, se os órgãos estatais não forem cuidadosos na especificação do que querem comprar, acabarão pagando mais caro do que o necessário. Nos casos em que o "trabalho de conscientização" não for efetivo, o grupo recorrerá à Justiça.
Foi o que aconteceu no caso da Caixa. O episódio entre a AMD e a instituição financeira se repetiria menos de um mês depois, envolvendo a compra de 25 mil máquinas para as lotéricas. A AMD ganhou novamente, garantindo a presença de seus chips no contrato de R$ 213 milhões também vencido pela Procomp.
"A AMD está em seu papel de buscar espaço, mas temos feito as especificações dentro do que atende às nossas necessidades", afirma Carlos Magno, diretor da vice-presidência de tecnologia da Caixa. Mas então por que alterar a licitação? "Às vezes é melhor atender a uma pequena demanda do que entrar em uma disputa judicial que vai se alongar", diz.
A reclamação da AMD ocorre sobretudo em duas situações. A mais básica é que muitas vezes o nome da Intel, ou de seus produtos e tecnologias, é textualmente citado no edital de licitação. Diversos textos trazem a exigência de computadores com "processador Pentium 4", por exemplo - e Pentium é uma marca específica da Intel. "O Brasil tem um lei de licitações, a 8.666, com pontos bem claros, como o fato de não poder citar marcas, e isso é desrespeitado", diz Scodiero. "Queremos participar das licitações com condições equivalentes. Sabemos que não vamos ganhar sempre, mas o certame não pode ser decidido no tapetão."
Para Renato Opice Blum, advogado especialista no setor de tecnologia, a queixa procede. Ele diz que uma licitação pode ser feita citando o nome de um fornecedor ou marca específica apenas nos casos em que só existe uma empresa com reconhecida capacidade para atender ao que se pede. "Isso é exceção, não regra. A reclamação da AMD faz sentido em muitos casos", afirma.
A segunda situação em que a AMD se sente prejudicada é mais complexa. Uma das características que determinam o desempenho de um processador é o seu "clock", que indica a velocidade com que um microprocessador executa as instruções que recebe. A velocidade é expressa em megahertz (MHz) ou gigahertz (GHz). Historicamente, a Intel baseou a evolução de seus produtos nesse componente, mas a AMD usa um conceito diferente para construir seus chips. Os processadores da companhia são baseados em uma arquitetura na qual outros itens, além do "clock", têm grande peso para determinar o desempenho final. Se a licitação exige um processador de 2 GHz, por exemplo, estará, na opinião da AMD, favorecendo a Intel, já que tal processador está em uma faixa de custo intermediária da fornecedora rival, enquanto é topo de linha da AMD.
Por causa dessa diferença de padrão, um chip da AMD com velocidade de "clock" igual ao da Intel tende a ser mais caro - mas até conseguir provar isso, a AMD já terá perdido a licitação. "Tem que existir uma noção de equivalência", diz Cláudia Santos, gerente de negócios da empresa.
Mas então qual é a saída? A fornecedora gostaria que fossem utilizados testes de desempenho para mostrar as equivalências. Scodiero vai mais longe e sugere uma pré-configuração dos editais. "Hoje é muito simples o governo deixar um formulário padrão disponível na web", propõe.
O diretor de marketing da Intel no Brasil, Elber Mazaro, prefere não comentar a ação da AMD. Mas afirma que há duas questões a ser consideradas: a soberania de escolha do cliente e o fato de que os produtos não são iguais. "Como especificar o que vai no edital é opção do órgão que está comprando. A Intel investe US$ 5 bilhões em pesquisa e desenvolvimento e isso gera produtos diferenciados." Mazaro destaca que cada usuário tem uma necessidade específica e, por isso, não se encontram com facilidade parâmetros comuns para licitações. Ele aconselha os clientes a compor um conjunto de referências que gerem uma planilha com o que esperam dos chips.
Segundo Denis Gaia, analista da consultoria IDC, o governo (apenas administração direta) representa 8% das compras de computadores pessoais no Brasil. Apesar de o grosso das vendas ocorrer no mercado privado, a AMD justifica seus esforços alegando que se trata do uso de recursos públicos. "O governo tem de gastar bem. Se só uma marca participar, certamente não será a melhor compra", diz Claudia.
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